Nada melhor para comemorar o Dia Mundial da Filosofia do que… filosofar. Vamos, pois, a isso!
Começa por sustentar que ninguém precisa que lhe expliquem que dizer que “todas as verdades são relativas” é já admitir que essa também seria uma verdade relativa e, portanto, tão “verdadeira” quanto a sua contrária (“nem todas as verdades são relativas”), pois toda a gente já o subentende pelo senso comum. Isto quer dizer que todas as pessoas já sabem isto? Que quando dizem que “todas as verdades são relativas” já sabem que essa também é uma verdade relativa e, portanto, tão “verdadeira” quanto a sua contrária (“nem todas as verdades são relativas”)? Não parece plausível e, de facto, não é verdade. Bastaria fazer um teste, um simples inquérito de opinião, para verificar que as pessoas quando empregam aquela expressão não têm disso consciência, caso contrário não utilizariam tal argumento. Utilizam-no, justamente, para combater a tese contrária, sem se aperceberem que a estão a legitimar! E, por isso, não sabem, ao contrário do que o TJ procura mostrar, que estão a cometer um erro lógico.
TJ argumenta depois do seguinte modo: se a lógica faz parte do nosso pensamento (“as peças”), se está subentendida em tudo o que dizemos, então é-nos natural; se nos é natural, então é completamente inútil («não faz sentido vir tão cá atrás para contra-argumentar qualquer coisa») [silogismo hipotético!]. Depois, quem contra-argumenta com uma pessoa que não sabe as regras da lógica tem vantagem, tal como tem vantagem quem argumenta sobre basebol com alguém que não conhece as regras do jogo [argumento por analogia (que estudaremos mais tarde!)]. E daqui retira a conclusão de que «numa conversa normal pode-se saltar esse passo, não há necessidade de definir a lógica já que ela está subentendida»; «não digo que não seja importante», mas como ela está sempre presente («como não vai afectar as “contas”»), então pode-se «omitir».
Ora, antes de mais, a filosofia e, neste caso, a lógica são importantes – ao contrário do que parece defender TJ –, porque ajudam a disciplinar o pensamento. E fazem-no, antes de mais, ao nível do uso rigoroso dos conceitos e da clareza da exposição daquilo que queremos defender. Algumas passagens da argumentação do TJ não são claras. E não sendo claras, não permitem compreender o que pretende exactamente defender. Por isso é que o conhecimento dos princípios e regras da lógica e da argumentação é determinante quando queremos pensar de forma válida. Senão, vejamos.
O que significa dizer que a lógica está “subentendida” no nosso pensamento, que “nos é natural”? Quer dizer que, quando raciocinamos, o fazemos sempre respeitando os princípios e regras lógicas? Mesmo adoptando uma já antiga (desde Platão) teoria do conhecimento como recordação – teríamos já em nós o que iríamos conhecer – seria sempre necessário torná-lo consciente. E torná-lo consciente é despertar tais conhecimentos que estariam escondidos na nossa mente, é trazê-los à consciência. Ou seja, é aquilo que podemos chamar aprender – neste caso, lógica – com a ajuda de outros (professores, livros ou outras fontes). Mas isto tornaria difícil saber o que vinha de facto de fora, dos outros, e o que era já nosso – em última análise, poderíamos chegar à conclusão que não possuíamos quaisquer conhecimentos, que vinham todos dos outros; teríamos apenas a capacidade intelectual para os compreendermos. Nesse caso, apenas se nos ensinássem lógica, ficaríamos (pelo menos, mais rapidamente) a saber evitar erros argumentativos. Além disso, o simples facto de nem todas as pessoas se aperceberem que cometem erros lógicos (como quando defendem que “todas as verdades são relativas”) pode ser uma prova de que, de facto, o conhecimento das regras lógicas não é inato.
E o que significa não haver «necessidade de definir a lógica»? Claro que não é tão importante saber o que é a lógica; mas já saber raciocinar usando regras lógicas é de extrema importância, pelo menos para quem esteja interessado em utilizar o pensamento inferencial naquilo em que ele é mais poderoso e útil – procurar a verdade.
Por outro lado, a lógica também é importante como disciplinadora do nosso pensamento, porque nos permite evitar erros graves, básicos, quando raciocinamos e argumentamos, designadamente ajuda-nos a não cometer ou a detectar contradições lógicas. Da premissa de que é evidente que quem possui conhecimentos de lógica tem vantagem sobre quem não os possui, é contraditório tirar a conclusão de que ela se pode «omitir», dando a entender que não é útil ou importante. Ou é uma vantagem ter conhecimentos de lógica e então isso é importante; ou não é uma vantagem e, por isso, não é importante. E de que modo a lógica, sendo-nos natural (supondo que o é), pode ser, simultaneamente, inútil? E se o TJ concorda que seja importante, então o que quer dizer quando diz que se pode «omitir»? Ao não tornar claras estas ideias, elas perdem todo o poder argumentativo que, eventualmente, poderiam ter.
O problema da argumentação do TJ é a ambiguidade da linguagem que utiliza, usando conceitos vagos, bem como o facto de incorrer em contradições, o que torna a sua tese muito pouco sustentável. Apesar de ter valor especulativo, a estrutura e organização lógico-argumentativa é, sem dúvida, pouco cuidada. O que, aliás, se torna uma prova viva da importância e necessidade de "saber mesmo" lógica, ideia completamente inversa àquela que pretendeu, sem sucesso, defender TJ. É como se a forma como argumentou tivesse demonstrado, precisamente, a tese oposta à que pretendia.
Mas, de qualquer modo, caso a sua argumentação não tivesse nenhum valor, não teria despertado este interesse e não teria proporcionado a grande satisfação de a ter tentado criticar!