«Valorizamos a felicidade por si mesma e não apenas por ser instrumental. Mas o próprio conceito de felicidade esconde algumas armadilhas. Uma concepção subjectivista da felicidade considera que na felicidade só conta o que uma pessoa sente, interiormente, sendo irrelevante a origem do que a faz sentir-se feliz. Isto é implausível, porque, a ser verdadeira, significaria que seria para nós irrelevante se a fonte da nossa felicidade é a realidade ou uma fantasia. Mas isto não é irrelevante para nós: se uma fonte importante da minha felicidade é a amizade dos meus amigos, é para mim muitíssimo relevante se a amizade deles é genuína ou fingida.
Outra concepção implausível da felicidade é crer que se trata de algo que podemos fazer. Pelo contrário, a felicidade é algo que resulta de muitas actividades a que nos dedicamos, mas não é em si algo que possamos fazer. Porque não é algo que possamos fazer, é também implausível uma terceira ideia comum sobre a felicidade: que é algo que se pode obter fazendo algo momentoso especial, findo o qual ficamos felizes – mais ou menos como alguém que, depois de muito esforço, ganha uma medalha. (…)
A felicidade é um valor fundamental para todos nós, mas não se pode ser feliz visando a felicidade. É-se feliz cultivando-se actividades de valor e alargando a compreensão dos nossos talentos e limites. É-se feliz acrescentando valor ao mundo e apreciando o valor que encontramos no mundo. Mas isto não se faz senão fazendo coisas muito diversas – essas coisas banais que todos fazemos todos os dias e que incluem ser médico e curar pessoas, ou ser escritor e contar histórias, ou ser pai, mãe, filho ou amante carinhoso, ou cozinheiro de talento, ou professor paciente. Entregarmo-nos a actividades de valor é uma condição necessária para a nossa felicidade e há muitas actividades de valor. A verdadeira dificuldade é evitar atribuir valor ao que o não tem e não dar suficiente valor ao que o tem. Mas isso é algo que só aprendemos com a experiência, a reflexão e o estudo. Não há receitas mágicas.
Outra ilusão a evitar quando se reflecte sobre a felicidade é esquecermo-nos de quem realmente somos: mamíferos com certas peculiaridades, e ao mesmo tempo seres cognitivamente sofisticados. Nem deuses, nem bestas – mas um pouco de ambos, num certo sentido. Isto significa que vidas que privilegiem apenas as nossas preferências de mamíferos – a alimentação e o sexo, por exemplo – ou que privilegiem as nossas preferências cognitivas – o estudo e o conhecimento – terão poucas probabilidades de serem realmente compensadoras. Os seres humanos são tão incapazes de uma vida realizada vivendo como porcos como são vivendo como deuses. Daqui conclui-se que a ânsia de imortalidade, que está provavelmente no cerne do impulso religioso de algumas pessoas, pode ser uma tremenda ilusão: sendo nos o que somos – e somos seres intrinsecamente temporais – uma existência sem fim ou atemporal poderá parecer uma promessa paradisíaca, mas é bem mais razoável crer que será, na verdade, diabólica.
Precisamos de ser judiciosos na descoberta do valor, e isto implica dar uma grande atenção à realidade do que somos. Mas como sabemos o que é a realidade? Não será tudo mera aparência?»
Desidério Murcho, A Filosofia em Directo (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2011) 61-2.
Errado. Parte de muitas premissas subjectivas como o facto dizer que a felicidade provir de uma ilusão ou da realidade é algo importante.
ResponderEliminarNão. Não, na minha opinião.
Em primeiro lugar necessitamos de organizar a nossa mente e definir prioridades. O que queremos para a vida? Queremos ser felizes? Queremos a verdade? Queremos ser imortais? Porque, como o autor escreveu e muito bem, somos apenas humanos e não podemos ter tudo. Os Humanos, adoram o conforto e alguns (longe de mim generalizar) põe isso mesmo sem saber à frente da verdade. Ora, isto de brincar às vidas é tudo muito bonito mas na hora da verdade vêm os maus sentimentos que tanto abalam a tão querida. E os arrependimentos. "Quem me dera não ter sabido" Não as pessoas não necessitam da verdade para serem felizes, aliás, a verdade é um factor que quase impossibilita a felicidade. Sejamos francos, o mundo não é belo. E quanto maior for a nossa capacidade de o ver, maior vai ser a nossa infelicidade. Eu não quero saber se os meus amigos gostam de mim realmente. Eu acho que gostam, e tenho as minhas certezas sobre isso. Chega-me para brincar às vidas. Eu não quero saber se o mundo acaba amanhã. Tanto quanto sei até posso ser atingido por um meteorito enquanto escrevo neste momento. Eu não quero saber. E ninguém saber. A ignorância é um lugar bem mais confortável que a sabedoria, e acredito que seja bem mais fácil atingir a felicidade mantendo-se nesse local. É até ironicamente a decisão mais sábia para quem pretende ser feliz. Os grandes visionários eram infelizes, os grandes artistas que através da arte viam melhor o mundo. Eram felizes? Não. Ou assim acredito. Tantos que se suicidaram. Tantos que escreveram, pintaram, cantaram, tocaram e mataram para mostrar os seus sentimentos. Feios. Infelizes. Tantos que se agarravam a um único amor como bóia de salvamento para o mar de verdade podre em que se encontravam. A verdade é sobrevalorizada. Talvez se devesse dar mais valor à ignorância. Não. Ou pelo menos, Não na minha opinião. Não me acredito que alguma arte realmente pura tenha nascido do trabalho. Não acredito sequer que o próprio autor soubesse o que estava a fazer quando pintou o primeiro traço. É natural. Há mais músicas e pinturas tristes do que alegres. Porque assim é o mundo, e assim é que o vêem. E os sentimentos escorrem para a tela como sangue, como tinta, como pedido de socorro: "Levem-me daqui! Quero ser feliz!"
É isso a felicidade, a capacidade de adormecer bem todas as noites.
É um belo elogio da ignorância e da evasão contra o saber a verdade acerca do real. Não sei é se é verdade. De qualquer modo, o que escreves, TJ, escreve-lo como sendo ou para valer como verdade. É a "tua" verdade. O problema é que não existe tal coisa: a verdade não é minha nem tua, é a verdade, quando muito é nossa; a verdade é, pois, objectiva ou mais objectiva do que por vezes muitos de nós julgamos.
ResponderEliminarParece-me que fazes, pois, um pretensamente sábio elogio da ignorância e da fuga face ao real contra a verdade. Mas isso é uma contradição performativa (desculpa o termo técnico da argumentação): negas uma coisa (a verdade não vale), afirmando-a (é verdade aquilo que dizes)! Faz-me lembrar outras contradições, como, por exemplo esta: "não devemos filosofar" (quando isto é já, pelo menos incipientemente, começar a filosofar!)
Abraço
De facto, digo que a verdade não vale. Mas, apenas para a felicidade. Eu apenas apresentei uma hipótese em que a verdade traz infelicidade, e por isso mesmo seria impossível a verdade ter grande valor na felicidade. Exceptuando talvez mesmo os filósofos que fazem da sua felicidade a busca pela verdade. Mas mesmo assim teriam de ignorar o conteúdo da verdade. A busca pela verdade acarreta o risco da a verdade não ser agradável provocando infelicidade.
ResponderEliminarConcordo com o TJ, pois é disto que escreveu ele, que tenho percebido em meus 22 anos de vida.
ResponderEliminarJá dizia a canção de Paulinho Moska: "Ninguém pode ser feliz, só os ignorantes, que não prestam a devida atenção nem procuram a verdade, preferem sorrir pra ilusão de viver uma só realidade."
Felicidade não tem peso, nem tem medida, não pode ser comprada, não se empresta, não se toma emprestada, não resiste a cálculos, porque não é material, nos padrões materiais do nosso mundo. Só pode ser legítima. Felicidade falsa não é felicidade, é ilusão. Mas, se eu soubesse fazer contas na medida do bem, diria que a felicidade pode ter tamanho, pode ser grande, pequena, cabendo nas conchas da mão, ou ser do tamanhão do mundo. Felicidade é sabedoria, esperança, vontade de ir, vontade de ficar, presente, passado, futuro. Felicidade é confiança: fé e crença, trabalho e ação. Não se pode ter pressa de ser feliz, porque a felicidade vem devagarinho, como quem não quer nada. Ser feliz não depende de dinheiro, não depende de saúde, nem de poder. Felicidade não é fruto da ostentação, nem do luxo. Felicidade é desprendimento, não é ambição. Só é feliz quem sabe suportar, perder, sofrer e perdoar. Só é feliz quem sabe, sobretudo, amar.
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