quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A importância da Lógica

Nada melhor para comemorar o Dia Mundial da Filosofia do que… filosofar. Vamos, pois, a isso!
Num comentário a este texto sobre a importância da lógica, TJ pretendeu defender a tese de que a lógica não é importante.
Começa por sustentar que ninguém precisa que lhe expliquem que dizer que “todas as verdades são relativas” é já admitir que essa também seria uma verdade relativa e, portanto, tão “verdadeira” quanto a sua contrária (“nem todas as verdades são relativas”), pois toda a gente já o subentende pelo senso comum. Isto quer dizer que todas as pessoas já sabem isto? Que quando dizem que “todas as verdades são relativas” já sabem que essa também é uma verdade relativa e, portanto, tão “verdadeira” quanto a sua contrária (“nem todas as verdades são relativas”)? Não parece plausível e, de facto, não é verdade. Bastaria fazer um teste, um simples inquérito de opinião, para verificar que as pessoas quando empregam aquela expressão não têm disso consciência, caso contrário não utilizariam tal argumento. Utilizam-no, justamente, para combater a tese contrária, sem se aperceberem que a estão a legitimar! E, por isso, não sabem, ao contrário do que o TJ procura mostrar, que estão a cometer um erro lógico.
TJ argumenta depois do seguinte modo: se a lógica faz parte do nosso pensamento (“as peças”), se está subentendida em tudo o que dizemos, então é-nos natural; se nos é natural, então é completamente inútil («não faz sentido vir tão cá atrás para contra-argumentar qualquer coisa») [silogismo hipotético!]. Depois, quem contra-argumenta com uma pessoa que não sabe as regras da lógica tem vantagem, tal como tem vantagem quem argumenta sobre basebol com alguém que não conhece as regras do jogo [argumento por analogia (que estudaremos mais tarde!)]. E daqui retira a conclusão de que «numa conversa normal pode-se saltar esse passo, não há necessidade de definir a lógica já que ela está subentendida»; «não digo que não seja importante», mas como ela está sempre presente («como não vai afectar as “contas”»), então pode-se «omitir».
Ora, antes de mais, a filosofia e, neste caso, a lógica são importantes – ao contrário do que parece defender TJ –, porque ajudam a disciplinar o pensamento. E fazem-no, antes de mais, ao nível do uso rigoroso dos conceitos e da clareza da exposição daquilo que queremos defender. Algumas passagens da argumentação do TJ não são claras. E não sendo claras, não permitem compreender o que pretende exactamente defender. Por isso é que o conhecimento dos princípios e regras da lógica e da argumentação é determinante quando queremos pensar de forma válida. Senão, vejamos.
O que significa dizer que a lógica está “subentendida” no nosso pensamento, que “nos é natural”? Quer dizer que, quando raciocinamos, o fazemos sempre respeitando os princípios e regras lógicas? Mesmo adoptando uma já antiga (desde Platão) teoria do conhecimento como recordação – teríamos já em nós o que iríamos conhecer – seria sempre necessário torná-lo consciente. E torná-lo consciente é despertar tais conhecimentos que estariam escondidos na nossa mente, é trazê-los à consciência. Ou seja, é aquilo que podemos chamar aprender – neste caso, lógica – com a ajuda de outros (professores, livros ou outras fontes). Mas isto tornaria difícil saber o que vinha de facto de fora, dos outros, e o que era já nosso – em última análise, poderíamos chegar à conclusão que não possuíamos quaisquer conhecimentos, que vinham todos dos outros; teríamos apenas a capacidade intelectual para os compreendermos. Nesse caso, apenas se nos ensinássem lógica, ficaríamos (pelo menos, mais rapidamente) a saber evitar erros argumentativos. Além disso, o simples facto de nem todas as pessoas se aperceberem que cometem erros lógicos (como quando defendem que “todas as verdades são relativas”) pode ser uma prova de que, de facto, o conhecimento das regras lógicas não é inato.
E o que significa não haver «necessidade de definir a lógica»? Claro que não é tão importante saber o que é a lógica; mas já saber raciocinar usando regras lógicas é de extrema importância, pelo menos para quem esteja interessado em utilizar o pensamento inferencial naquilo em que ele é mais poderoso e útil – procurar a verdade.
Por outro lado, a lógica também é importante como disciplinadora do nosso pensamento, porque nos permite evitar erros graves, básicos, quando raciocinamos e argumentamos, designadamente ajuda-nos a não cometer ou a detectar contradições lógicas. Da premissa de que é evidente que quem possui conhecimentos de lógica tem vantagem sobre quem não os possui, é contraditório tirar a conclusão de que ela se pode «omitir», dando a entender que não é útil ou importante. Ou é uma vantagem ter conhecimentos de lógica e então isso é importante; ou não é uma vantagem e, por isso, não é importante. E de que modo a lógica, sendo-nos natural (supondo que o é), pode ser, simultaneamente, inútil? E se o TJ concorda que seja importante, então o que quer dizer quando diz que se pode «omitir»? Ao não tornar claras estas ideias, elas perdem todo o poder argumentativo que, eventualmente, poderiam ter.
O problema da argumentação do TJ é a ambiguidade da linguagem que utiliza, usando conceitos vagos, bem como o facto de incorrer em contradições, o que torna a sua tese muito pouco sustentável. Apesar de ter valor especulativo, a estrutura e organização lógico-argumentativa é, sem dúvida, pouco cuidada. O que, aliás, se torna uma prova viva da importância e necessidade de "saber mesmo" lógica, ideia completamente inversa àquela que pretendeu, sem sucesso, defender TJ. É como se a forma como argumentou tivesse demonstrado, precisamente, a tese oposta à que pretendia.

Mas, de qualquer modo, caso a sua argumentação não tivesse nenhum valor, não teria despertado este interesse e não teria proporcionado a grande satisfação de a ter tentado criticar!

5 comentários:

  1. Por onde começar...
    Antes do mais obrigado pela resposta, aprendi, e ajudou a definir algumas coisas que me iam na ideia.
    Ora bem, reconheço que provavelmente, não fui suficientemente claro, porém se isso aconteceu, é um problema de expressão, de regulamento de ideias, prática de escrita. O que eu quis dizer na primeira parte foi que quando alguém diz "Todas as verdades são relativas" ele assume essa frase como um facto. Um facto que não pode ser verdadeiro ou falso porque é um facto. É como alguém dizer: "Eu sou mentiroso" Ao afirma-lo está a excluir a sua afirmação de ser julgada verdadeira ou falsa. É um facto que como tal é algo concreto, algo que não pode ser falso. Não sei se me fiz entender, mas o que eu quero dizer é que quando alguém diz isso num debate, já está a excluir automaticamente a sua afirmação. Logo: "À excepção desta, todas as outras verdades são relativas". E quem está a debater com essa pessoa, deve responder assumindo já essa parte omissa e não apontar-lhe que criou um paradoxo. Entre o pensamento e a verbalização do mesmo há um processo de transcrição que vai conter alguns erros já que a nossa mente é abstracta e ilimitada e a nossa língua é concreta e limitada. Os humanos, com a experiência, vão aprendendo a aperceber-se desses erros e (mais uma vez através da lógica omissa) faz uma correcção mental da mesma. Espero que me tenha feito entender, talvez me tenha precipitado se alguma vez disse que lógica era inútil, apenas sou de opinião que a usamos naturalmente, sem saber que a estamos a utilizar, se queremos melhorar a nossa lógica, acho que o processo passa por praticar o nosso discurso argumentativo, e não por estudar as tais "peças" da lógica. E talvez erro da minha parte, mais uma vez, quando digo omitir, digo omitir verbalmente num debate de ideias. Omitir significa que a lógica se mantém lá, significa que como já caminhamos em cima da lógica (Como se esta fosse o primeiro andar) então assumiremos o primeiro andar como rés do chão.(Sabendo sempre que está a lógica por baixo)
    Outro ponto que, sinceramente, esbocei um sorriso de satisfação ao ler foi a parte em que se aprendermos tudo ao longo da vida, então teríamos uma mente sem identidade própria já que não raciocinamos nós, mas sim entendemos os raciocínios dos outros... Ora bem, em primeiro lugar penso que foi assim que o ser humano evoluiu, com a capacidade de comunicar e de partilhar conhecimentos, mas um factor ainda mais importante do ser humano é o facto de conseguir guardar esse conhecimento e aplica-lo à sua vida, obrigando-o por vezes a modifica-lo. Então, todos os seres humanos tem vidas diferentes uns dos outros, caminhos diferentes e recebem conhecimentos diferentes. Por isso, de tão exclusivos que são, cada um vai criar os seus próprios e originais ideais,mas SEMPRE a partir de um conhecimento externo, mesmo que seja uma experiência que ele viva sozinho. Ele aprendeu com a situação, não com ele mesmo.
    Esta última parte está um bocado complexa e confusa, não escrevo como um filósofo, mas escrevo como qualquer ser humano e penso que chega para nos entendermos. De qualquer maneira o texto fez sentido na minha cabeça, o que vai transparecer pode já não ser o mesmo. Lá está, tal é a barreira entre a língua e a mente.
    Termino aqui, mais uma vez, grato por despertar o meu interesse ;)

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  2. Caro TJ: assumes que "todas as verdades são relativas", que isto é um facto. Mas, cuidado, para que essa proposição seja verdadeira, ela tem que ser falsa, o que lhe retira, então, toda a força argumentativa. E quem ouve tal proposição, que é emitida num discurso, para ser tida como verdadeira, deve, ao contrário do que afirmas, apontar tal paradoxo, isto é, deve criticar o facto de tal proposição se apresentar como uma verdade não relativa, quando ela própria afirma que não há tal coisa!

    Muito interessante é a tua reflexão sobre a distância entre o pensamento e a sua expressão. Se bem percebi, o que sustentas é numa distinção (aliás, já concebida na história da filosofia) entre pensamento e linguagem, embora no século XX, por força do pensamento de filósofos como Wittgenstein, se tenha vindo a inverter essa ideia. Repara que o que fazemos quando pensamos é justamente usar a linguagem, a linguagem é o que temos para pensar; sem linguagem não há pensamento - pensar é "linguajar"! Daí se retira a consequência de que, se não pudermos disciplinar o uso que fazemos da linguagem, se a não usarmos convenientemente, também não conseguiremos pensar convenientemente, com valor. Porque pensar tem como finalidade chegar a conclusões verdadeiras ou, pelo menos, o mais plausíveis possível. Logo, sendo a lógica essa disciplina do pensamento e, portanto, da linguagem quando usada para argumentar (apresentar razões para concluir algo de verdadeiro/plausível), ela é de extrema importância para o pensamento.

    Quanto à ideia, que continuas a sustentar, da lógica espontânea, ela existe, se quiseres, mas trata-se de uma potencialidade ou de um pequeno conjunto de regras muito intuitivas que os falantes de uma língua vão adquirindo ao longo da aprendizagem dessa língua. Mas a lógica, enquanto conjunto de regras do raciocínio válido, vai para além dessa espontaneidade e eleva-nos para um nível de maior profundidade e rigor. Daí a sua pertinência enquanto área de investigação e enquanto instrumento para as ciências e para a filosofia.

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  3. A lógica estuda regras para tornar o pensamento e o discurso coerentes, logo acaba por aproximar o pensamento da linguagem e quebrar um pouco as barreiras. Com ela podemos, de certo modo, reduzir o nosso pensamento ao essencial, ou seja, eliminar ruídos, e a partir de tal explicar os raciocínios. Para uma boa explicação talvez uma ordem sequencial seja agradável e ajude os outros olhos a encontrar a mesma beleza que os nossos.
    O facto de lógica espontânea existir não vai muito ao encontro do que penso. É verdade que sem conhecimentos desta podemos estar a utiliza-la inadvertidamente mas é diferente fazê-lo desta forma e só algumas vezes do que saber que o estamos e como o estamos a fazer. Entendo que uma ciência só é bem usada quando se tem consciência do que se faz e porque se faz.

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  4. "Só se pensa por imagens, se queres ser filósofo, escreve romances"
    Entendi, mas não entendo que pensemos através da língua e talvez aí esteja o ponto de divergência, claro que se no nosso pensamento as ideias surgissem como um texto, então a lógica seria uma espécie de corrector gramatical e de coerência do pensamento. Mas o pensamento vai muito além da língua e muito além das imagens, eu posso pensar numa coisa que nem sequer existe e nem sequer sei o nome. De facto até acho que as únicas vezes que penso "através de linguagem" é quando estou a escrever, ou a preparar algum discurso,etc.

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  5. Nem tudo aquilo que se pensa precisa de ter nome mas poderá também ser encontrado por outros e a diferença entre a "imagem" que tu crias na tua mente e aquela que será criada na mente de outros quando a descreveres será tão grande quanto a tua abstracção para com ciências do discurso e do pensamento. O simples acto criativo de idealizar algo não corresponde necessariamente a um pensamento "egoísta", se me faço entender. Aquilo que imaginamos e que não existe não tem obrigação de ser só nosso, ou seja, quanto mais inteligente for a nossa descrição mais diverso será o ser que possuirá a imagem que criamos o imaginamos. Para libertar e revelar a nossa mente existem métodos que podem despertar algo inanimado.

    btw, encontrei uma citação na net que achei deveras interessantes para a filosofia: "Só sabemos com exactidão quando sabemos pouco; à medida que vamos adquirindo conhecimentos, instala-se a dúvida" (Johann Goethe)

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