quarta-feira, 24 de novembro de 2010

A retórica como negociação...

Eis uma das teses mais interessantes de Michel Meyer, filósofo proeminente da chamada "Escola de Bruxelas" e um dos responsáveis (a par, entre outros, de Chaïm Perelman) pelo movimento contemporâneo da "Nova Retórica", que deu lugar a uma verdadeira reabilitação filosófica da retórica, salientando o seu interesse e relevância, não só para a argumentação em geral, mas em particular para a própria filosofia:

«A retórica é o encontro dos homens e da linguagem na exposição das suas diferenças e das suas identidades. Eles afirmam-se aí para se encontrarem ou para se repelirem, para encontrarem um momento de comunhão ou, pelo contrário, para evocarem essa impossibilidade e verificarem o muro que os separa. (…) Daí a nossa definição: a retórica é a negociação da distância entre os sujeitos. Esta negociação acontece pela linguagem (ou, de modo mais genérico, através da – ou de uma – linguagem), pouco importa se é racional ou emocional (…). Daí a definição geral que agora propomos: a retórica é a negociação da distância entre os homens a propósito de uma questão, de um problema

Michel Meyer, Questões de Retórica (Lisboa: Edições 70, 1998) 26-27.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A importância da Lógica

Nada melhor para comemorar o Dia Mundial da Filosofia do que… filosofar. Vamos, pois, a isso!
Num comentário a este texto sobre a importância da lógica, TJ pretendeu defender a tese de que a lógica não é importante.
Começa por sustentar que ninguém precisa que lhe expliquem que dizer que “todas as verdades são relativas” é já admitir que essa também seria uma verdade relativa e, portanto, tão “verdadeira” quanto a sua contrária (“nem todas as verdades são relativas”), pois toda a gente já o subentende pelo senso comum. Isto quer dizer que todas as pessoas já sabem isto? Que quando dizem que “todas as verdades são relativas” já sabem que essa também é uma verdade relativa e, portanto, tão “verdadeira” quanto a sua contrária (“nem todas as verdades são relativas”)? Não parece plausível e, de facto, não é verdade. Bastaria fazer um teste, um simples inquérito de opinião, para verificar que as pessoas quando empregam aquela expressão não têm disso consciência, caso contrário não utilizariam tal argumento. Utilizam-no, justamente, para combater a tese contrária, sem se aperceberem que a estão a legitimar! E, por isso, não sabem, ao contrário do que o TJ procura mostrar, que estão a cometer um erro lógico.
TJ argumenta depois do seguinte modo: se a lógica faz parte do nosso pensamento (“as peças”), se está subentendida em tudo o que dizemos, então é-nos natural; se nos é natural, então é completamente inútil («não faz sentido vir tão cá atrás para contra-argumentar qualquer coisa») [silogismo hipotético!]. Depois, quem contra-argumenta com uma pessoa que não sabe as regras da lógica tem vantagem, tal como tem vantagem quem argumenta sobre basebol com alguém que não conhece as regras do jogo [argumento por analogia (que estudaremos mais tarde!)]. E daqui retira a conclusão de que «numa conversa normal pode-se saltar esse passo, não há necessidade de definir a lógica já que ela está subentendida»; «não digo que não seja importante», mas como ela está sempre presente («como não vai afectar as “contas”»), então pode-se «omitir».
Ora, antes de mais, a filosofia e, neste caso, a lógica são importantes – ao contrário do que parece defender TJ –, porque ajudam a disciplinar o pensamento. E fazem-no, antes de mais, ao nível do uso rigoroso dos conceitos e da clareza da exposição daquilo que queremos defender. Algumas passagens da argumentação do TJ não são claras. E não sendo claras, não permitem compreender o que pretende exactamente defender. Por isso é que o conhecimento dos princípios e regras da lógica e da argumentação é determinante quando queremos pensar de forma válida. Senão, vejamos.
O que significa dizer que a lógica está “subentendida” no nosso pensamento, que “nos é natural”? Quer dizer que, quando raciocinamos, o fazemos sempre respeitando os princípios e regras lógicas? Mesmo adoptando uma já antiga (desde Platão) teoria do conhecimento como recordação – teríamos já em nós o que iríamos conhecer – seria sempre necessário torná-lo consciente. E torná-lo consciente é despertar tais conhecimentos que estariam escondidos na nossa mente, é trazê-los à consciência. Ou seja, é aquilo que podemos chamar aprender – neste caso, lógica – com a ajuda de outros (professores, livros ou outras fontes). Mas isto tornaria difícil saber o que vinha de facto de fora, dos outros, e o que era já nosso – em última análise, poderíamos chegar à conclusão que não possuíamos quaisquer conhecimentos, que vinham todos dos outros; teríamos apenas a capacidade intelectual para os compreendermos. Nesse caso, apenas se nos ensinássem lógica, ficaríamos (pelo menos, mais rapidamente) a saber evitar erros argumentativos. Além disso, o simples facto de nem todas as pessoas se aperceberem que cometem erros lógicos (como quando defendem que “todas as verdades são relativas”) pode ser uma prova de que, de facto, o conhecimento das regras lógicas não é inato.
E o que significa não haver «necessidade de definir a lógica»? Claro que não é tão importante saber o que é a lógica; mas já saber raciocinar usando regras lógicas é de extrema importância, pelo menos para quem esteja interessado em utilizar o pensamento inferencial naquilo em que ele é mais poderoso e útil – procurar a verdade.
Por outro lado, a lógica também é importante como disciplinadora do nosso pensamento, porque nos permite evitar erros graves, básicos, quando raciocinamos e argumentamos, designadamente ajuda-nos a não cometer ou a detectar contradições lógicas. Da premissa de que é evidente que quem possui conhecimentos de lógica tem vantagem sobre quem não os possui, é contraditório tirar a conclusão de que ela se pode «omitir», dando a entender que não é útil ou importante. Ou é uma vantagem ter conhecimentos de lógica e então isso é importante; ou não é uma vantagem e, por isso, não é importante. E de que modo a lógica, sendo-nos natural (supondo que o é), pode ser, simultaneamente, inútil? E se o TJ concorda que seja importante, então o que quer dizer quando diz que se pode «omitir»? Ao não tornar claras estas ideias, elas perdem todo o poder argumentativo que, eventualmente, poderiam ter.
O problema da argumentação do TJ é a ambiguidade da linguagem que utiliza, usando conceitos vagos, bem como o facto de incorrer em contradições, o que torna a sua tese muito pouco sustentável. Apesar de ter valor especulativo, a estrutura e organização lógico-argumentativa é, sem dúvida, pouco cuidada. O que, aliás, se torna uma prova viva da importância e necessidade de "saber mesmo" lógica, ideia completamente inversa àquela que pretendeu, sem sucesso, defender TJ. É como se a forma como argumentou tivesse demonstrado, precisamente, a tese oposta à que pretendia.

Mas, de qualquer modo, caso a sua argumentação não tivesse nenhum valor, não teria despertado este interesse e não teria proporcionado a grande satisfação de a ter tentado criticar!

Dia Mundial da Filosofia

(Visita a página da UNESCO)
O Dia Mundial da Filosofia é uma iniciativa da UNESCO, que se comemora desde 2002. Inscreve-se numa estratégia geral deste organismo da ONU de valorização daquela área do saber: «to reaffirm the true value of philosophy, that is to say the establishment of dialogue that must never cease when it comes to essential matters, and of thought which gives us back a large part of human dignity whatever our condition E, em particular, numa estratégia de procurar persuadir os estados a introduzirem ou alargarem o ensino da filosofia a todo o ensino secundário.

Aprender filosofia permite aumentar a consciência de mundo dos jovens, futuros adultos, desenvolver a capacidade especulativa (pensar sobre o possível) e, portanto, a criatividade – um dos motores da evolução civilizacional, sobremaneira em tempos de crise. Mas permite também desenvolver competências que possam ser usadas na vida com outros. É essa também a convicção daquela organização, ao salientar o vínculo entre filosofia e democracia e filosofia e cidadania, já que aprender filosofia permite desenvolver as capacidades de análise, de problematização e reflexão crítica, de utilização rigorosa de conceitos, de argumentação e exposição clara de ideias – capacidades que fazem da filosofia uma área do saber que também pode ser útil para a vida com outros no seio de exigentes sociedades democráticas, com problemas complexos a pedir soluções complexas.
Em Portugal, há muito que o ensino da filosofia faz parte integrante do curriculum do ensino secundário, tomando parte da formação geral dos alunos do 10.º e 11.º ano. Neste particular, podemos dizê-lo, estamos à frente da maioria dos países do mundo! De facto, desde 1791, no contexto da Reforma Pombalina, começou a ensinar-se filosofia naquilo que hoje designamos por ensino secundário, tradição apenas abalada em 1903 e 1904, em que houve propostas de abolição da disciplina do curriculum do ensino secundário.

A filosofia pela poesia

«Mais gelo quanto mais ardo
disse a Heloísa, Abelardo.

(Foi minha a filosofia -- quando assim o quis ter --,
mais do que um querer saber -- de um saber que não queria --:
que é sabor de poesia... -- Oh, sábia sabedoria! --
Saborear o não ser!...)

De tempo o saber precisa,
disse a Abelardo, Heloísa.

(José Bergamín, Poesías casi completas)

A filosofia e a complexidade

«Adquirimos conhecimentos espantosos sobre o mundo físico, biológico, psicológico, sociológico. A ciência impõe cada vez mais os métodos de verificação empírica e lógica. As luzes da razão parecem rejeitar nos antros do espírito mitos e trevas. E, no entanto, por toda a parte, o erro, a ignorância, a cegueira, progridem ao mesmo tempo que os nossos conhecimentos.

É-nos necessária uma tomada de consciência radical:

1. A causa profunda do erro não está no erro de facto (falsa percepção) ou no erro lógico (incoerência), mas no modo de organização do nosso saber em sistema de ideias (teorias, ideologias);

2. Existe uma nova ignorância ligada ao desenvolvimento da própria ciência;

3. Existe uma nova cegueira ligada ao uso degradado da razão;

4. As ameaças mais graves em que a Humanidade incorre estão ligadas ao progresso cego e descontrolado do conhecimento (armas termonucleares, manipulações de todas as espécies, desequilíbrio ecológico, etc.).

Eu pretendia mostrar que estes erros, ignorâncias, cegueiras, perigos têm um carácter comum que resulta de um modo mutilador de organização do conhecimento, incapaz de reconhecer e apreender a complexidade do real.»

Edgar Morin, "Mythes et realités", Colóquio Georges Orwell, Big Brother, un inconnu familier, 1984 in: Introdução ao Pensamento Complexo (Lisboa: Instituto Piaget, 5.ª ed., 2008)13-14.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Ser filósofo, ser humano – uma aventura

Para comemorar o Dia Mundial da Filosofia (18-11-2010), o grupo de professores de filosofia exibirá, no próximo dia 17-11-2010, pelas 14:15, no Auditório da Escola Secundária, o filme “Wittgenstein”, de Derek Jarman, dirigido a todos os alunos do ensino secundário.

O intuito principal é pôr os alunos em contacto com um dos filósofos mais influentes do séc. XX e mostrar, através de um exemplo, o que é ser filósofo, a utilidade da filosofia, mas também a aventura de ser humano. Além de questões relacionadas com a definição e utilidade da filosofia, o filme suscitará o debate de questões de ética, lógica e filosofia da linguagem, em suma, questões relacionadas com a nossa abordagem e conhecimento do mundo, veículo privilegiado de acesso à vida verdadeiramente humana.

O filme é uma dramatização em estilo teatral moderno da vida e do pensamento do filósofo Ludwig Wittgenstein (para uma síntese do seu pensamento, ver aqui). Nascido em Viena e educado na Universidade de Cambridge, os seus principais interesses giravam em torno da natureza e limites da linguagem. Esta película biográfica apresenta as ideias de Wittgenstein e a sua luta contra os absurdos da sua vida. É nesta linha do absurdo que há aparições de um marciano verde e um rinoceronte fora de lugar!

Além desta faceta irónica e jucosa, é um projecto cinematográfico que introduz uma reflexão sobre temas notavelmente sérios, como a relação homossexual do filósofo com um seu aluno e o temor que sentia devido à sociedade repressora onde vivia ou os presumíveis equívocos de toda uma tradição filosófica com as suas supostas falsas questões.

Não utilizando muitos recursos de cenário, visto que o filme é gravado inteiramente num espaço cercado por um fundo preto, esta biografia segue Wittgenstein desde a sua infância, em Viena, o seu alistamento na I Guerra Mundial e, finalmente, a sua vida em Cambridge, onde manteve uma ligação com o influente economista Maynard Keynes (John Quentin) e o não menos importante filósofo britânico Bertrand Russell (Michael Gough). Embora tenha deixado a universidade diversas vezes à procura de viver a vida de uma forma diferente (tendo pensado, certa vez, tornar-se um trabalhador braçal), Wittgenstein acaba sempre por voltar à universidade -- à aventura de ser humano em busca do saber.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Quaestio




Será a Lógica importante para a Filosofia?
Porquê?

Lógica e Filosofia

«O pensamento consequente é o pensamento fundamentado. Um pensamento é consequente quando se baseia em razões e retira correctamente consequências das razões em que se baseia. (…)

A lógica permite determinar que consequências se retiram correctamente das nossas ideias e que consequências só aparentemente se retiram delas. Uma demonstração lógica é um modelo abstracto e simplificado do pensamento consequente (…).

Por exemplo, alguém poderá defender a seguinte ideia, hoje em dia muito popular: “Todas as verdades são relativas”. Sem formação lógica, acontece duas coisas a essa pessoa. Em primeiro lugar, não se apercebe que a sua ideia é auto-refutante – isto é, não se apercebe que a verdade da sua ideia implica a sua falsidade. Se todas as verdades são relativas, também esta é uma verdade relativa; mas ser uma verdade relativa significa que para algumas pessoas, ou em algumas circunstâncias, ou para algumas comunidades, esta ideia é falsa. Logo, se for verdade que todas as verdades são relativas, é falso em algumas circunstâncias que todas as verdades são relativas. Em segundo lugar, não só essa pessoa não se apercebe dessa dificuldade lógica elementar a que tem de responder, como sente que quem lhe apresenta este contra-argumento a está a enganar. Como o contra-argumento se baseia num raciocínio ligeiramente complexo e a pessoa em causa não tem instrumentos para avaliar a sua correcção, sente que está a ser enganada. O resultado dessa situação é que essa pessoa não está equipada para discutir ideias filosóficas – tudo o que consegue fazer é dar voz aos preconceitos do seu tempo, sem ter capacidade crítica para se distanciar das suas próprias ideias e procurar responder aos argumentos que se levantam contra elas. Nestas circunstâncias, o estudo da filosofia deixa de conduzir à liberdade do pensamento crítico e torna-se apenas um meio para sustentar preconceitos com nomes sonantes de filósofos e palavras complicadas.»

Desidério Murcho, O Lugar da Lógica na Filosofia (Plátano: Lisboa, 2003) 30-31.

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Rir e pensar

Crisipo (Solis, 280 a.C. - Atenas, 208 a.C.) foi um dos filósofos mais importantes do estoicismo antigo, que se dedicou em especial ao estudo da lógica.

Segundo ele, até os cães utilizam a lógica, como se pode comprovar se os observarmos quando seguem um rasto de outro animal e chegam a uma encruzilhada, onde têm de escolher entre dois caminhos distintos. Se, depois de farejar um deles, o elimina, opta automaticamente pelo outro, como se o cão em questão utilizasse um silogismo disjuntivo – “A ou B, não A; logo, B”!

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Quebra-cabeças


Esta série de palavras segue uma regra lógica:

TRENS
MALAS
MAIOR


Das palavras seguintes, qual poderá continuar a série:

PARTI
AULAS
CALMA
BOIÃO

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Ferramentas da filosofia

«Os filósofos concebem teorias bizarras, empolgantes e às vezes inquietantes. Esse não é principal objectivo do seu trabalho, claro. O que eles querem, acima de tudo, é saber aquilo que é verdadeiro. A razão é a ferramenta que usam para os ajudar a atingir esse objectivo.

Os filósofos querem que as suas teorias e soluções tenham, pelo menos, boas hipóteses de estarem certas. Tentam conseguir isso aplicando a razão. Submetem as teorias a um estudo crítico minucioso e tentam arranjar argumentos convincentes para supor que elas estão certas.

É tentador pensar nos nossos “poderes da razão” como a capacidade de encadear logicamente cadeias de raciocínios e também de descobrir os elos defeituosos dessas cadeias, tal como um computador pode estar programado para fazer. Não há dúvida de que a capacidade de construir cadeias complexas de raciocínios e de nelas detectar falhas é uma competência essencial para qualquer filósofo. Mas a expressão “poderes da razão” refere-se, na verdade, a um conjunto de capacidades mentais bem mais vasto e diversificado. Tornar-se um bom filósofo implica desenvolver todo um conjunto de competências de pensamento, incluindo a capacidade de fazer afirmações claras, precisas e relevantes. Os filósofos também precisam da capacidade de não abandonar um problema e de revelar paciência e determinação. Além disso, devem ser capazes de recuar e de pensar de forma imaginativa e criativa (…). Também são úteis à filosofia a capacidade de pesar as probabilidades e os dados, a capacidade de reconhecer (e combater) a sua subjectividade e a capacidade de identificar falácias no raciocínio próprio e dos outros.»

Stephen Law, Filosofia (Porto: Dorling Kindersley / Civilização Eds, 2009) 192.